sábado, 9 de maio de 2009

Nelson Rodrigues por ele mesmo



"Chovia. E quando chove em cima das igrejas, os anjos escorrem pelas paredes. "



"Meus gritos se espalharam por toda a parte. Meus gritos batiam nas paredes, nos móveis, como pássaros cegos. "


"Paulo é apenas um nome... um nome suspenso no ar como se fosse um vôo breve. "


"E cada um de vós? Tem certeza da própria existência?"

De novo Nelson

Sônia tem 15 anos, adora tocar piano e sua música preferida é a Valsa nº6. Sônia tem toda uma vida pela frente, repleta de sonhos e possibilidades. Mas há algo errado com Sônia, ela vê rostos por todos os lados, ouve vozes e não sabe exatamente quem é.

Estaria Sônia ficando maluca???

Não... Não há nenhum caso de loucura na família, e ela mesma sempre teve medo de gente doida! Ela não poderia ser a primeira louca da família! Afinal, é uma moça tão prendada, além de tocar piano, costura e fala francês!

Que mistério envolve Sônia? Esta é a trama da Valsa nº6, o único monólogo escrito por Nelson Rodrigues. Em geral, o monólogo é considerado um gênero ingrato, já que o conflito, a essência prima do teatro, o que desencadeia uma ação, se instaura da oposição entre duas personagens. Inexistindo o confronto entre duas vontades diferentes, o recurso recorrente seria a narrativa, gênero que, apesar da teoria de Brecht, não é aceito como expressão puramente teatral.

Não para Nelson. A peça, embalada pela valsa homônima de Chopin, como diz Sábato Magaldi, repousa sobre a palavra, trabalhada dramaticamente. O autor não se utiliza dos métodos prosaicos do gênero, nem tampouco de espetaculosidades. Não importam a luz, o cenário, o tempo e o espaço. O texto é uma viagem livre entre o consciente e o inconsciente. É o imponderável que se transforma em suspense poético.

A adorável e confusa Sônia tem um objetivo: desvendar o mistério que a envolve. E graças a Nelson, todos ganhamos um monólogo de tirar o fôlego de qualquer Sherlock Holmes!

Onde possamos ser artistas

Quando o profético vídeo A História das coisas foi lançado, ninguém ousaria falar de crise financeira. Os anos de 2007 e 2008 foram, consecutivamente, os mais lucrativos da história para a maioria dos investidores do mundo. Nunca, em tempo algum, se consumiu tanto!

A história dos tempos, por outro lado, vem mostrar que quando um sistema entra em colapso, ele é, paulatinamente, substituído pelo seu oposto.

O que viria a substituir um período ditado pelo consumo e materialismo desenfreados?
Um mundo marcado pelo espiritualismo?
Pelo irradiante e inesquecível transe dionisíaco ou por sua transcendência libertadora?
Um mundo, afinal, onde todos, sempre que quiserem, possam ser artistas?

Para asistir A História das coisas clique aqui:
http://www.youtube.com/watch?v=jROc509oYkw

sábado, 25 de abril de 2009

Para provar que estamos vivos

Hoje de manhã recebi um email de um amigo que dizia somente isso: "para provar que estou vivo:", e abaixo, um poema de sua autoria.
E fiquei pensando que este meu recém nascido blog veio à luz somente para provar que estou viva. Visitei vários blogs e quanto mais lia, pensava – olha aí, provando que está vivo...

Desesperados ou sutis, buscando um motivo para continuar ou simplesmente deixando seus traços para a posteridade, estamos sempre lembrando, a nós e aos outros, que estamos na roda.

Bem, o Érico (o amigo do email) é um dos meus poetas – vivos! – preferidos, e para encerrar, vou postar um dos seus fragmentos (seus poemas são enciclopédicos!), o que mais me representa, e que com alguma freqüência interpreto por aí – claro, não só para mostrar que estou viva, mas também para dar uma sacolejada em quem esqueceu que está!

Canto poemas, gosto de mulher
Bebo pouco, mas muito café.
Que bicho que é?
Que bicho é esse que não tem padrão
Que assalta o vento mas não é ladrão?
Qual a sua profissão?
Em que emprega seu tempo, o que faz?
Bicho do mato falaz...
Que bicho sou eu, se não tenho patrão?

Só falo o que penso
O resto me ensinam mas faço questão:
não passo adiante!
Porque o que ensinam pra gente
sempre passa à frente
da nossa própria razão

Às vezes não gosto do que penso
deploro o que penso
ridicularizo o que penso
mas sempre menos que aquilo que não penso
e não é meu por nascedouro,
partilha
ou possessão.

Possuam-me as idéias
nunca meu coração
Meu bolso Possuem-no as traças
nunca qualquer tipo de inflação
Sou pobre de gosto
por isso gozo de satisfação

Ensino o português
e com o que Del resta conto histórias
que ele me conta
Mas canto o brasilês
a língua mais linda que um dia tive
desprezada até por quem a tem na ponta da língua
e de maldade
a cospe no chão

Pois eu mostro mostra e minha língua
e babo de gratidão
se pobre e à mingua
encho a cuia de palavrão

Eu gozo contigo
mas nunca de ti
Eu gozo de amores
mas nunca sem ti
Sou como você
brasileiro vil
que vive de ardores
e ama em vão
E isto são favores de um gênio irônico
semi deus sardônico greco-romano-tupiniquim
que não tinha ciso nem tostão
e ainda chamou de dádiva esse quinhão de lástima
que deu pra mim

Mas favor mesmo me fez quem me deu a graça
de receber favores sem nunca pedir nada

Não compro nada e por nada
não de pirraça

uso cueca
só visto roupa usada
repito versos
e não pago imposto

Ah! Com certeza o estado me detesta!

Não fumo cigarro Não vou à boate
Minha vida é uma festa
Meus amigos a minha diversão

Ah! Com certeza o estado me detesta!

Não leio jornal nem livros da moda
E nem assisto à televisão!

Ah! Com certeza o estado quer é a minha prisão!

Pois não presto atenção a nada
que não seja o que me interessa
e de forma tão concentrada
que não resta tempo pra nada
que passa tão depressa
e não tenho tempo pra tudo que passa
de forma tão apressada
e que é somente tudo
o que me cerca
e que é somente tudo
o que não presta pra nada

Por isso dizem que fujo
que alieno-me minto
é por isso que dizem que minto
que minto pra Deus e o mundo
quando, juro, sou sincero
Mas onde se viu sinceridade
nesse mundo senão em outro
Com certeza eu somos poucos
e entre os meus
caminho sem noção do encosto
ou do esbarrão

Minto quando digo que escolho
não há nada no salão.

Érico Braga

Evoé Baco!


As mulheres traziam coroas de heras na cabeça, ramos de carvalho nas mãos, tranças de lã do mais puro branco cobrindo seus corpos, e se santificavam dançando por vastas terras até as montanhas, onde batiam tambores, tocavam flautas, cantavam em coros e acendiam tochas antes de abater o bode, mascar a erva e gritar Evoé!, quando então fluía do chão leite, mel e vinho e do ar recendia incenso sírio...

Assim eram os rituais báquicos, que aconteciam uma vez por ano, da Ásia Menor a Grécia, na alta Antiguidade, cuja autenticidade é confirmada pelas iconografias de cerâmicas gregas, pela semelhança dos vestígios dos cultos em diversos religiosos em diversos povos e diversas épocas, e principalmente pela tragédia Bacas, de Eurípedes.

Baco (para os gregos), ou Dioniso para os romanos, era o deus da uva e do vinho, da embriaguez, e também dos desertos, dos lugares ermos, um deus selvagem, um bode.
Para nós, o deus do êxtase. O êxtase é um estado de transgressão. Um limiar entre o doce e o terrível, a sabedoria e a loucura, a fertilidade e a morte, o sagrado e o profano. Um deus de opostos. Da doçura e da fúria. Das multidões e da solidão desértica e inexorável de cada individualidade. Dos bacanais e da transcendência sublime.

Deus patrono do teatro. Não poderia ser outro. Estar em cena é jogar-se no precipício. Na efemeridade do seu aqui e agora, o artista bambeia entre o céu e o precipício. E a sua transgressão vai muito, muito além dos palcos.

Que Dioniso nos abençoe e que o nosso teatro tenha sempre o ímpeto da sua mais doce fúria.

Evoé!!

quinta-feira, 23 de abril de 2009

Nelson Rodrigues, um primeiro reconhecimento

Tenho no momento me preparado para a minha nova empreitada: uma montagem de Nelson Rodrigues. Um monólogo. A Valsa nº6.
Sei que não vai ser fácil, uma montagem é um processo de três a quatro meses de trabalho diário, muitíssimo prazeroso quando feito em grupo. Quando o processo é individual, é claro que não deixa de ser prazeroso, mas há que se ter uma disciplina militar e um lidar mais sozinho com as emoções que estão por vir. E em se tratando de Nelson, que emoções!
O que muito me espanta é o preconceito que ainda ronda Nelson Rodrigues. Um autor que criou personagens obsessivos, sim, sempre no limiar da existência, exagerados por natureza, muitas vezes mórbidos, prestes a implodir. Era através desse exagero, dessa quase caricatura humana que Nelson expunha os sentimentos que tentamos desesperadamente esconder.
Assim Nelson deu vida a Olegário, o marido obsessivamente ciumento, confinado a uma cadeira de rodas, que suborna pessoas para lhe relatarem os passos da sua mulher Lídia, por não conseguir acreditar que ela lhe é fiel. E após passar a vida a atormentar Lídia, quando finalmente ele se convence de sua fidelidade, eis que Olegário encontra um bilhete deixado por Lídia, onde ela declara que acabara de fugir com o motorista. Nesse momento, Olegário levanta da sua cadeira de rodas, revelando que nunca fora doente. Ou melhor, que era mais doente que todos imaginávamos.
O paroxismo humano até o patológico.
Assim Nelson nos presenteou com Dorotéia, uma mulher estonteante, nascida numa família de mulheres feias, e por isso atormentada por um complexo de culpa que acaba por destruí-la.
E assim fez solteironas puritanas, bonitinhas ordinárias, médicos incestuosos, cafetinas, maridos traídos, abortandeiras e por aí vai.
Nelson com sua ironia mordaz mostrou-nos nada menos que a devastação dos relacionamentos humanos em sua verdade nua, mas não crua. Sua obra é temperada com poesia, diálogos inquietantes, situações inusitadas, humor refinado e sentimento aos jorrões. Sem, contudo, deixar de despir a sociedade corrompida em que vivemos.
Nua sim, mas cru é o fato de chegar em casa, ligar a tv e assistir as notícias do dia, depois de ter visto a novela das sete.

sábado, 18 de abril de 2009

Evoé!

A inspiração bateu tardia... Somente hoje, dia 18 de abril de 2009.
E aqui pretendo contar meus segredos, revelar as cenas do meu teatro, contar bastidores, exibir minhas idéias, partilhar meus frios no estômago... e, se possível, com a sua companhia! Então...

Pelas Musas Heliconíades, comecemos a cantar!